Iniciei a batalha
cedinho, e no meio da manhã já estava pedalando de mãos soltas.
Quando achei que
estava “bambam”, pedi para meu pai ficar na porta do armazém que eu iria passar
ladeira abaixo. Chegando em frente, larguei as mãos do guidão achando que
estava arrombando. Voltei para casa imaginando que seriam só elogios, acabei
levando um tapa na bunda, e meu pai ainda falou categoricamente:
- “Eu disse para aprender a andar de
bicicleta, e não para fazer bossa!”.
Nunca esqueci a
lição.
Assim veio a minha
primeira bicicleta, uma Gallo, verde escura, com guidão inteiriço, sem mesa,
freio traseiro contra pedal, e dianteiro com um tacão de sola de pneu de
automóvel que pressionava diretamente a banda do pneu da bike, ao ser acionado
por um manípulo no guidão, acoplado a uma haste metálica, portanto sem cabo.
Essa bicicleta foi enviada por um senhor que morava em Siderópolis e havia
mudado para Laguna. Como tinha uma dívida com meu pai, para saldá-la, mandou
essa bicicleta. Quando fui buscá-la na estação de trem do Rio Fiorita, foi uma
festa. Era uma aro 28, mas com quadro tamanho gigante, que me obrigava a
pedalar enviesado por baixo do cano superior do quadro à moda das meninas
quando pedalavam bicicleta “de homem”.
Após muitos
pedais, ou muitas encomendas e entregas, veio o primeiro furo de pneu,
juntamente com a primeira decepção: a câmara estava mais cor de rosa do que
preta, de tantos remendos. Contei 19. O pessoal da velha guarda lembra, os
remendos eram cor de rosa. Cortava-se um pedaço com tesoura e colava-o com cola
Michelin, que a gente pronunciava “mixilim”.
Em 1968 quando
cursava o segundo ano do ginásio, ganhei uma Monark Barra Circular, lembro como
se fosse hoje o dia em que o caminhão da Transportadora Cresciumense (era assim
que se chamava), parou em frente ao armazém. O motorista apresentou a Nota
Fiscal da Mesbla de Porto Alegre, com duas bicicletas, uma para o meu primo e
outra para mim, ambas equipadas com farol a pilha, uma grande novidade, pois
até então só conhecíamos farol acionado a dínamo. A festa foi grande, ele ficou
com a vermelha e eu com a azul.
Com essa bike de
quadro com tamanho normal, e eu já crescido, pedalei durante o primário,
ginásio e o científico, que cursei no Rio Fiorita, em Siderópolis e em Criciúma
respectivamente.
Na época era
costume fazer umas aventuras. As que eu mais gostava eram, atravessar uma
pinguela de eucalipto de um pau só, que havia sobre um riacho no potreiro, onde
a gente ia tomar banho pelado escondido dos pais, e a outra era pedalar sobre a
estrada de ferro, quando íamos com a bike sobre o trilho, firmando uma das mãos
no guidão e a outra apoiada no ombro de um colega que pedalava sobre o outro
trilho, ambos com o corpo levemente inclinado para manter o equilíbrio. Quando
a bike caía, ou na nossa linguagem de moleques, “descarrilava”, dependendo da
posição da queda, complicava um pouco a região pélvica, mas nada que impedisse
a peripécia.
Em 1974 vim para
Florianópolis fazer o vestibular para engenharia, e a bike ficou esquecida.
Em 1978 formei-me
engenheiro eletricista. Com meu primeiro salário de engenheiro comprei uma
Monark Super 10, na extinta Loja Prosdócimo do Estreito. Montei a bike ali
mesmo, no depósito, e fui pedalando para casa pela passarela de madeira da
Ponte Hercílio Luz, por cujas frestas se via o mar lá embaixo. Saudades daquele
visual.
No final dos anos
80, numa de minhas idas a serviço a São Paulo, comprei uma Caloi Aluminum.
Presumo que à época era a primeira bicicleta de alumínio fabricada no Brasil.
Com o tempo fui
esquecendo a bike até que em 2006, preparando-me para a aposentadoria,
reacendeu-se a chama da bike. Iniciei pedalando só no plano, depois fui
ensaiando uns morrinhos e hoje não escolho mais chão para pedalar.
Desde então fiz
vários ciclopasseios, entre eles o Vale dos Vinhedos e Parte Alta do Circuito
Vale Europeu com o pessoal do “Caminhos do Sertão”, Urubici e Cânions Fortaleza
e Itaimbezinho com o “Floripa Bikers”, além de muitos outros. Mas o que eu
gosto mesmo são os ciclopasseios que organizo com meus colegas de pedal, sem
pressa e sem stresse.
Nessas andanças já
tive a oportunidade de fazer alguns pedais internacionais, entre eles o Caminho
de Santiago de Compostela, saindo de Saint Jean Pied de Port na França,
perfazendo 854 km em 12 dias, juntamente com dois colegas.
Alem dessa, pedalei
na China em Beijing, Shangai e Hanghzou (essa ultima possui 34.000 bicicletas
publicas de aluguel), quando estive fazendo um free lancer no ano de 2010. Além
de um pedal na Itália numa passagem pelas terras dos meus avós, e os pedais que
fiz com minha mulher em 2010 em Colônia do Sacramento no Uruguai, e em 2012 por
San Francisco na Califórnia, com direito a travessia da Golden Gate e almoço em
Salsalito.
Para esse ano,
além dos ciclopasseios regionais, eu e minha mulher estamos
esquematizando o “Caminho da Luz” no primeiro domingo de julho, de Tombos em
Minas Gerais até a base do Pico da Bandeira na Divisa com o estado do Espirito
Santo, e em setembro, um ciclopasseio pela província da Emilia Romagna na
Itália.
Já dizia o poeta: Nada
melhor que um ciclopasseio onde se desfruta de um visual cinematográfico que só
a bike proporciona. Sendo assim enquanto tiver pernas, vou pedalando.
Mano Savi