Escolhido como patrono da 2ª Feira Catarinense do Livro, o escritor Deonísio da Silva afirma que desde 1979 não recebia distinção tão comovente.
Nascido em Siderópolis e radicado no Rio de Janeiro desde 2002, Silva dirige o Curso de Letras da Universidade Estácio de Sá, assim como as teleaulas de Língua Portuguesa, à distância, transmitidas para milhares de alunos. Autor de 33 publicações, sendo sete romances (dentre os quais Avante, soldados: para trás, vencedor do Prêmio Casa das Américas de 1992), assina a coluna Etimologia na revista Caras, um blog e uma coluna no portal Observatório da Imprensa. Quando concedeu esta entrevista, Deonísio ainda não conhecia a estrutura da feira, mas afirmou que, se tiver de fazer críticas, o fará em particular, porque “o livro já tem inimigos que bastam no Brasil”, na sua opinião.
Autor de cerca de 30 livros, Deonísio da Silva conquistou importantes prêmios literários, entre os quais o Casa de las Américas, de Cuba, por Avante, soldados: para trás. Seu romance Teresa, que tem a religiosa Teresa d’Ávila como personagem solar, foi premiado pela Biblioteca Nacional,transposto para o teatro e reconhecido pela prestigiosa revista World Literature Today, nos EUA, como um dos dez melhores romances brasileiros dos últimos 20 anos. Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de São Carlos. Alguns de seus textos foram adaptados para televisão e cinema, entre os quais Relatório confidencial, dirigido por Antunes Filho, e Teresa, dirigido por José Nelson de Freitas
Ninguém consegue ficar sério perto dele, seja numa conversa particular ou no meio de uma platéia com centenas de estudantes.
Ele logo desarma quem está por perto com seu humor e ironia, com toques de deboche (seu alvo favorito é sempre ele mesmo). Intercala o que diz com inesperados olhares tristes e repentinos ares de ausências e viagens, percursos logo interrompidos por uma risada. Os olhos irrequietos e curiosos sempre estão interessados por tudo que o cerca. Suas frases espirituosas e seus braços acolhedores oferecem amizade e intimidade à primeira vista, primeiro passo de um relacionamento sempre marcado pela verdade e generosidade.
Esse é o catarinense Deonísio da Silva, 56 anos, um dos mais famosos e respeitados escritores do País, com obras já publicadas em espanhol, italiano, alemão, sueco, francês e inglês. Conhecido por cerca de 30 títulos já publicados, incluindo "Orelhas de aluguel", "Os guerreiros do campo", "Adão e Eva felizes no paraíso", "Teresa" (premiado pela Biblioteca Nacional) e o já clássico "Avante, soldados: para trás!", que em 1992 recebeu o Prêmio Internacional "Casa de Las Américas" de um júri presidido pelo nobilíssimo José Saramago.
Com "A vida íntima das palavras", que é lido com muito prazer e nenhum sono, Deonísio apresentou um estudo sobre a origem das palavras, contando histórias, mistérios e complexidades. Uma obra incomum e respeitável, fruto de longa e rigorosa pesquisa.
Um intelectual que faz parte da história cultural de São Carlos e da Universidade Federal.
Entrevista
Saffioti - O que há em comum entre você e o Dionísio?
Deonísio - Eu, como ele, adoro vinho! Meu nome ia ser Dionísio e não Deonísio. O escrivão, vendo que meu pai não queria incrustar o sobrenome italiano de minha mãe, disse: "Dionísio da Silva? Coitado do menino! Vai ser homônimo de muitos!" Meu pai resolveu na hora: "Então mude para Deonísio". (risos)
Saffioti - Como vai o Brasil do Lula?
Deonísio - Não sou profeta, mas acho que o Lula é muito maior do que o PT e que o Partido tem atrapalhado seu governo em questões decisivas. Já perdi uma garrafa de Marquês de Riscal para o Fernando Tinton, do "Ciao Bello", apostando que os cardeais não elegeriam o Joseph Ratzinger. Não vou perder outra dizendo que ele não se reelege. O Brasil é sempre surpreendente. Ou quase sempre. O governo Lula engessou muitas reivindicações. Você acha que 0,1% de aumento para o funcionalismo é aumento?
Saffioti - Parece deboche.
Deonísio - É deboche! Com omissões desse tipo esse governo segue perdendo aliados, simpatizantes etc. Mas tem um excelente ministro de Educação! E olha a grandeza dele! Serve a um governo rodeado de colegas de Partido que se omitiram na expulsão da filha dele, a deputada Luciana Genro. Dizer que se omitiram é dizer o mínimo, né? É um mau caminho descartar amigos, aliados. O preço pago por tais insânias costuma ser alto. E é sempre cobrado. Algum dia, em algum lugar, por alguém. Nem todos se enforcam depois de vender os amigos por trinta dinheiros, mas trair ideais, sonhos, amigos, projetos etc, tudo isso costuma acabar muito mal para quem o faz.
Saffioti - O que vai acontecer com Cuba depois de Fidel?
Deonísio - Estive lá em fevereiro último, integrando a delegação brasileira de escritores. O Brasil foi convidado de honra da Feira do Livro. Foi a segunda vez que fui. Não sei, mas vai mudar tudo, eu acho. Fidel tem um carisma impressionante, é um dos maiores estadistas vivos. Equivale em grandeza a Getúlio Vargas. Um fundador, um sujeito que cria estruturas, consolida projetos, inventa, organiza seu povo, providencia defesas. E, apesar de muito caluniado, não calunia ninguém, não tem ressentimentos.
Saffioti - Você é de formação sulista, como o Getúlio...
Deonísio - Sou filho de descendentes de portugueses vindos para o Rio Grande do Sul e de italianos que vieram para Santa Catarina. Nasci em Siderópolis, mas as cidades catarinenses com as quais tenho mais vínculos são outras: Jacinto Machado, onde fiz o primário, e São Ludgero e Tubarão, onde fui seminarista. Depois fui morar no Rio Grande do Sul. Em Ijuí fiz meu curso de Letras. Junto com Tarso Genro e seu irmão Adelmo Genro Filho fundamos um jornal semanário, o "Informação", em cuja equipe pontificavam outros nomes que depois se tornaram muito conhecidos. Fiz o mestrado em Porto Alegre. O doutorado fiz na USP, em São Paulo. Sou bicho do Sul. Em Curitiba fiz minhas primeiras experiências como escritor e roteirista de cinema. Em nenhuma delas morei mais do que em São Carlos: até agora 24 anos!
Saffioti - Impossível contar a história da UFSCar sem falar em você.
Deonísio - Na universidade, além da docência e da pesquisa, exerci cargos diversos. Liderei equipes que fundaram o curso de Letras e a Editora Universitária, que dirigi por oito anos.
Saffioti - Como é que você foi parar no Rio de Janeiro?
Deonísio - É um daqueles detalhes decisivos de nossas vidas. Edney Silvestre, ex-seminarista como eu, me entrevistava na TV Globo e passamos a comentar alguns verbetes de "De onde vêm as palavras", que já está na 14ª edição. O fundador da Universidade Estácio de Sá, o Dr. João Uchôa, assistia à entrevista e me chamou para conversar com ele. E então me convidou para trabalhar no Rio, onde faço o que propus em São Carlos muitas vezes, mas nunca deu certo: uma oficina da palavra. Para levar adiante o que vinha fazendo há vários anos, alguns dos quais na honrosa parceria de pessoas como o professor, poeta e tradutor irlandês John Lyons, que trocou Londres por São Carlos. Hoje a Estácio tem o Instituto da Palavra. E eu assumi também a direção da Faculdade de Comunicação Social. Quem quiser saber mais, vá a www.estacio/br/institutodapalavra.
Saffioti - Sua presença é constante na mídia nacional.
Deonísio - Continuo com colunas semanais no "Primeira Página", "Jornal do Brasil", "Caras", "Eptv.com" e com o Alberto Dines no "Observatório da Imprensa". E há o programa na Rádio Universitária, "De onde vêm as palavras", que vou retomar em tempo oportuno, em outros moldes, por convite desse grande intelectual que é Vanderley Bagnatto. Faço o que mais gosto de fazer: trabalhar com a palavra, falada e escrita. Pois no princípio era o Verbo, como nos ensina São João, e no meio e no fim também será.
Saffioti - De que trata o seu novo livro?
Deonísio - Todo mundo pensa que, para quem como eu já escreveu e publicou trinta livros, alguns deles já traduzidos, levados para cinema e teatro, um novo livro é apenas mais um. Não é. "Goethe e Barrabás", que estou escrevendo, me dá emoção semelhante à do primeiro livro. Meu tema são as más escolhas, as decisões erradas, do voto às amizades, dos amores aos inimigos mal escolhidos, dos maus passos por imprudência, ignorância, descaso ou, o que é mais grave, arrogância. A humildade é fundamental em qualquer ofício. Acho que escritor que é vaidoso é, antes de tudo, bobo também.
Saffioti - O que é que te inspira? E o que tira sua inspiração?
Deonísio - Não sei. Escrevo o que me dá na telha. Os temas e problemas devem nascer de minhas leituras, observações, conversas e, sobretudo, do sofrimento. O escritor é a lenha de sua própria fogueira. Eu confio muito em Deus, na justiça divina, nas nossas inevitáveis transcendências.
Saffioti - O que vale a pena ler?
Deonísio - A Bíblia, Jorge Luís Borges, Machado de Assis, Miguel de Cervantes, Luís de Camões, William Shakespeare, Marcel Proust, sempre! Fico também muito atento ao novo, mas os autores novos demoram a consolidar-se, o processo é lento, não escrevemos para nós ou nossos contemporâneos. Talvez nossos livros sejam garrafas com bilhetes jogadas ao mar para serem encontradas por quem não procuramos e a quem não conhecemos. Dante encheu "A Divina Comédia" de personagens que viviam a seu redor. E até pôs o papa Celestino V no Inferno. Só que o papa morreu e foi canonizado. Os escritores se enganam muito.
Saffioti - Qual o lixo literário que devemos dispensar?
Deonísio - Você que também escreve - aliás, tive o prazer de ser seu editor e editar tuas peças - sabe que esta é uma pergunta difícil. O que é lixo para um, não é para outros. De todo modo, acho que não faria mal à Humanidade esquecer todas essas listas de "mais vendidos". São obras mercadológicas e efêmeras. Valem pelo valor de mercado. Portanto, não valem nada. O valor de um livro não é o de mercado. Teresa d'Ávila morreu inédita. Faz décadas que é a autora que mais vende no mundo, depois da Bíblia. E morreu censurada!
Saffioti - O mundo seria bem melhor se todos lessem mais. E não estou me referindo aos códigos do Da Vinci.
Deonísio – E São Carlos seria bem melhor se desse a livros e autores a atenção que eles fazem por merecer. Poucos dão valor a livros e autores em nossa cidade. É uma pena. Uma cidade universitária que despreza o livro!
Deonísio da Silva
Bibliografia
Exposição de Motivos (1976);
Cenas Indecorosas (1978);
A Mesa dos Inocentes (1978);
A Mulher Silenciosa (1981);
Livrai-me das Tentações (1984);
A Cidade dos Padres (1986);
Orelhas de Aluguel (1987);
Avante, Soldados: para trás (1992);
O Assassinato do Presidente (1994);
Ao Entardecer ele Abraçava as Árvores (1995);
Teresa (1997);
Os Guerreiros do Campo (2000)