AS ESCOLAS
ITALIANAS NO INÍCIO DO SÉCULO XX NAS COMUNIDADES DE NOVA BELLUNO E NOVA TREVISO
Em outubro de 1906, o advogado Giuseppe Caruso
MacDonald (1), Regente do Consulado do Reino da Itália, sediado em
Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, publicava um Relatório (2)
de viagem de inspeção pelas colônias italianas estabelecidas em território
catarinense. O documento é extremamente detalhista, com as observações do
diplomata sobre a realidade dos imigrantes, e os aspectos por eles enfrentados,
seja clima, solo, a posição geográfica, a população do Estado e dos imigrantes
italianos, uma verdadeira síntese de suas andanças entre os colonos, analisando
suas aspirações, comentado e criticando os problemas encontrados e ponderando
sobre o que poderia o Estado Italiano fazer por seus compatriotas então
inseridos no contexto de uma outro país, reiniciando suas vidas.
No sul catarinense, o Cônsul italiano teve a
assistência privilegiada de um observador ali residente, o agente consular ou
vice-cônsul italiano, Antonio Remor, com sua residência em Rio Jordão Baixo, e já
competente auxiliar de seus antecessores em Florianópolis, o Cavaleiro Alberto
Roti e o Cavaleiro Príncipe Gherardo Pio de Savoia. Antonio Remor desde
1895 exercia estas funções, peregrinando pelas colônias do sul catarinense e
assim permaneceria até o início da década de 1910. É figura histórica de
importância capital para os primórdios da integração dos imigrantes com o
território, e afiança sua imponência no seu trabalho a sua magnífica residência
de pedra ainda existente em Jordão Baixo.
O Cônsul advogado Giuseppe Caruso MacDonald
percorreu, no sul catarinense, as comunidades da região da Colônia de Nova
Veneza – que englobava Nova Treviso, Belluno, Belvedere, Rio Fiorita, São
Bento, Rio Jordão Baixo -, e de Urussanga, Criciúma, Accioly de Vasconcelos
(depois Cocal do Sul), Azambuja e Pedras Grandes, em agosto de 1906. De suas
anotações, destaca-se as referentes à educação dos imigrantes. Comentava o
cônsul, em seu relatório, que pioneiros instrutores da língua italiana
existiram desde o estabelecimento dos imigrantes, mas sem consistência e de
forma oficial. A única escola que podia caracterizar-se como contínua e
consistente era a da comunidade de Rio Carvão, interior da colônia de Urussanga,
pelo esforço do mestre Benvenuto Cechinel, e estabelecida em 16 de agosto de
1893, e sendo sucedido por Gregório Bosa, em 1895, mas com frequencia esparsa
de alunos.
Os primeiros subsídios que tornaram viáveis a
construção e a manutenção de escolas e professores foram trazidos pelo
antecessor de Caruso MacDonald, o cônsul Cavaleiro Pio de Savoia, ao final do
ano de 1900, com a contribuição e solicitação decisiva de Antonio Remor,
recebendo então as comunidades quantidades significativas de livros, material
escolar, importâncias substanciais para a edificação e garantia da remuneração
dos mestres a serem contratados pelas comunidades. Estes benefícios chegaram do
Ministério dos Negócios Exteriores do Reino da Itália e pela Sociedade Dante
Alighieri, fundada nestas colônias em 1891.
De imediato foram estabelecidas escolas de língua
italiana primeiramente em Urussanga, no início de 1901, e em poucos meses em
Jordão, Nova Belluno, Nova Treviso, São Martinho e Belvedere, privilegiando
aqui a região compreendida pelos atuais municípios de Siderópolis, Treviso e
Urussanga.
Entre as escolas estabelecidas estavam a de Jordão,
inaugurada em 18 de janeiro de 1901, com a professora Elisabetta Remor; a primeira de Nova
Belluno, fundada em 1º de fevereiro de 1901, com o professor Seraphino
Mezzari, e a segunda
sendo inaugurada em 5 de janeiro de 1902, com o mestre Giuseppe Peruchi; a de Nova Treviso, fundada em 2 de janeiro de
1902, sendo contratado para o ofício o professor Davide Raspini (Angelo Dal-Bó, com pagamento
oferecido pelos pais imigrantes, foi professor não oficial em período anterior,
entre 1893 e 1897); também a escola de São Martinho, fundada em 2 de janeiro de
1901, com o professor Giovanni Damian e duas em Belvedere, sendo a primeira em 22 de abril
de 1902, com a professora Giuseppa Maffioletti e a segunda em 2 de janeiro de
1905, com o mestre Giovanni Ferraro (3). Necessário é, para a perspectiva
histórica, a lembrança destes nomes como os pioneiros da educação oficial, a
partir da ação de agentes consulares do Reino da Itália, então o único
mantenedor das comunidades descritas.
A partir deste início promissor, as escolas
efetivaram-se e, conforme o Relatório do cônsul Caruso MacDonald, o movimento
foi aumentando, estabelecendo-se inclusive escolas com funcionamento noturno.
Em Jordão, por exemplo, destacou o diplomata que a frequencia às aulas foi tão
intensa nos primeiros anos que a Sociedade Dante Alighieri dotou-a de uma
pequena biblioteca, de caráter itinerante, proporcionando mais cultura à comunidade,
a partir dos seus alunos, seguindo-se o exemplo em outras escolas de Urussanga.
As primeiras estatísticas produzidas pela Inspetoria
de Ensino do município de Urussanga, em outubro de 1906, revelavam, com
respeito a dados sobre os atuais municípios de Siderópolis e Treviso, que a
escola de Jordão possuía 37 alunos (22 meninas e 15 meninas); as duas escolas
de Nova Belluno mantinham, somadas, 65 alunos, sendo 51 meninos e 14 meninas; a
de Nova Treviso possuía 30 alunos, com 13 meninos e 17 meninas (o único caso de
maioria de alunas) e a escola de língua italiana de São Martinho continha 29
alunos, sendo 17 meninos e 12 meninas. Para o acompanhamento oficial destas
escolas e sua manutenção e efetividade em ensino existiam comissões escolares e
de supervisão, nomeadas pelo Cônsul em Florianópolis, e que eram auxiliadas
estrategicamente, por sua nomeação como agente consular, por Antonio Remor,
para que todas as medidas necessárias para o bom andamento da educação em
idioma italiano pudessem ser tomadas.
Mesmo difundida pelos meios oficiais de Urussanga e
nas comunidades, somente a partir do final da década de 1910, é que a língua
portuguesa passaria a ser ensinada nas escolas da região. Em algumas
comunidades mais isoladas, até o presente, o idioma mais utilizado, entre os
mais velhos, é o italiano, mediante os dialetos vênetos, seja o bellunese, o
bergamasco, o zoldano e o trentino (4).
NOTAS
1
– O advogado Giuseppe Caruso MacDonald, ao final de seu mandado como Cônsul do
Reino da Itália, estabeleceu-se em Urussanga, e aí, conhecido como Doutor José,
teve parte ativa no desenvolvimento político administrativo e econômico da
comunidade.
2
– O Relatório foi publicado apenas nos Anais do Ministério de Negócios
Exteriores do Reino da Itália, em 1907. Uma cópia foi conseguida pelo padre
João Leonir Dall’Alba, e o documento relatado no livro “Imigração Italiana em
Santa Catarina – Documentário”, de 1983, p. 146-182.
3
– DALL’ALBA, João Leonir. Imigração Italiana em Santa Catarina –
Documentário.
Florianópolis/Caxias do Sul: Lunardelli-EDUCS, 1983, p. 175.
4
– No “youtube” há vídeos com referências sobre o assunto.